segunda-feira, 23 de março de 2015

Crônicas do Cavaleiro Errante: Baús e Círculos de Pedra

A noite exibia-se com esplendor, envolta em seu brilhante manto de estrelas. Ao longe, um vasto campo, infinito até onde era possível alcançar a olhos nus, ganhava vida ao som ritmado dos insetos e ao fúnebre choro das corujas.

Zaat não era do tipo que se importava em viajar sozinho. Para ele, a companhia que Dayna, sua égua, rajada como tempestades de neve, era mais do que suficiente para suportar as semanas que viriam até alcançar seu destino, a cidade estado de Celestia.

Entretanto aquela não seria uma noite como as que sucederam sua saída da pequena estalagem do velho Rudric. Diferente das outras, esta não apresentava a calmaria e o convite para o descanso ao redor do fogo, pelo contrário, seus ventos sussurrantes o levavam a controlar sua própria respiração e concentrar-se nos mais ínfimos sons que porventura não pertencessem aquele local.

Inconscientemente, foi aproximando a mão direita da bainha de sua espada, que repousava em sua cintura ao mesmo tempo em que, segurando com mais firmeza as rédeas de Dayna, começou a diminuir a velocidade ao aproximar-se de um antigo círculo de pedras, que surgiu a alguns metros da pequena estrada de terra.

Na mesma hora, centenas de histórias sobre os mistérios envolvendo aquelas construções lhe vieram a mente, a maioria envolvendo poderosos feiticeiros e rituais de magia, sacrifícios de sangue e portais mágicos. De repente um som, ou algo que poderia ser chamado de som ecoou pela vasta planície, uma espécie de grito agudo misturado com um trincar de vidro, injetaram uma dose de adrenalina no cavaleiro que instintivamente saltou de sua montaria e começou a aproximar-se lentamente das antigas pedras.

A pouca luz não facilitava a compreensão fiel do cenário que se apresentava, e Zaat sabia que não podia simplesmente avançar na escuridão. Resolveu esgueirar-se por entre as colunas de pedra a espera de mais algum barulho e foi recompensado, passos ecoaram, como que aproximando-se do centro do círculo. O desembainhar de uma lâmina também se fez presente, trazendo consigo o som de uma respiração ofegante.

Mais um grito, dessa vez de um homem, pelo som dos passos estava correndo, em ataque a algo ou alguém. O que se seguiu foi um som oco como se algo tivesse acertado uma árvore, seguido de um ranger como fazem velhas portas de madeira, terminando com um terrível som de carne sendo rasgada e triturada.

Aquilo estava ficando perigoso demais, e Zaat já pensava em voltar para sua montaria e cavalgar 
para longe o mais rápido possível, quando um brilho nunca antes visto surgiu, paralisando qualquer plano de fuga coordenado em seus pensamentos.

No centro do círculo, um baú lindamente ornamentado em pedrarias e detalhes em ouro emitia uma luz azul fantasmagórica, instigando qualquer observador mais curioso a aproximar-se e apreciar tamanha beleza.

Zaat sentiu o impulso de avançar, mas algo chamou sua atenção. A luz que surgia do baú também iluminava tudo ao seu redor, apresentando um palco de carnificina destoando profundamente daquela imagem de glória. Corpos dilacerados e poças de sangue rodeavam a caixa como que castigados por sua audácia em aproximar-se de tamanho tesouro.

De súbito, como que despertando de um transe, o observador recuou embainhou sua espada e procurou por sua garrafa de Rosa de Aço, presente do velho Rudric para esquentar o corpo nos dias frios. Abriu e mergulhou um pedaço de pano que rasgou de sua túnica. Após, aproximou o objeto dos lábios e sussurrou de um modo quase inaudível uma língua estranha. Ao afastar a garrafa, algo começou a faiscar e em segundos uma chama queimava a parte do tecido fora da garrafa. Calculou a distância e arremessou.

Ao acertar seu alvo, uma pequena explosão envolveu o baú em chamas negras e um grotesco som inumano subiu junto com a fumaça. Em poucos segundos a caixa foi devorada pelo fogo que, como um animal abatendo sua presa, deixou para trás apenas sua carcaça, hastes de metal negro retorcido.

Ainda abaixado atrás da coluna de pedra, Zaat observou até a chama extinguir-se e, em meio a escuridão, retornou a estrada em um silêncio sepulcral.

Aguardando no mesmo local em que a havia deixado estava Dayna, que, como se suspirasse de alívio relinchou ao ver a silhueta de Zaat surgir da escuridão. Ainda em silêncio o homem, aproximou-se e agilmente subiu na sela para continuar seu caminho.

- Foi por muito pouco Dayna, muito pouco... 

Ao afastar-se, o cavaleiro afundou-se em seus pensamentos. As lendas sobre Baús Malditos, contadas na infância nunca pareceram tão assustadoras. É uma pena não ter mais uma garrafa de Rosa de Aço para afugentar as imagens da atrocidade vista nos círculos de pedra.

Um comentário:

  1. Puxa, gostei muito da sua narrativa! Consegue ser bem instigante e "RPGística" ;D

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