Existem muitas crenças e teorias a respeito da consciência e dos erros (ou pecados) do ser humano. Até que ponto um simples pedido de perdão pode apagar todos os erros cometidos sob uma visão mais ampla e espiritual? E se realmente existir o "perdão divino", o que acontece com as consequências dos nossos atos considerados errados?
Sem sair do tema, vou deixar no post de hoje uma parábola budista, retirado do site Saindo da Matrix, sobre o assassino Angulimala:
"Gautama, o Buda, andava de um vilarejo a outro, acompanhado de seus discípulos, pregando a Verdade. Certa vez, seguiam por uma estrada fechada, quando depararam com alguns guardas do rei. E eles disseram:
- Voltem e sigam por outro caminho, porque por estas paragens está escondido um perigoso assassino, conhecido por Angulimala. Dizem que já matou 999 pessoas, das quais cortou um dedo de cada uma e fez um colar e está à procura da milésima para completar seu colar de 1000 dedos. Por isso o Rei mandou bloquear a estrada, para evitar que algum incauto seja a próxima vítima. Você pode pegar uma estrada mais longa à frente.
Mas Buda disse: Se eu não for, quem irá? Somente duas coisas são possíveis: ou eu o mudo (e eu não posso perder esse desafio) ou eu fornecerei o dedo que lhe resta para realizar seu desejo. De qualquer forma, eu vou morrer algum dia e me queimarão numa pira funerária. Acho que é melhor realizar o desejo de alguém e dar paz de espírito a esta pessoa. Ou ele me matará ou eu o matarei.
Então Buda continuou a caminhada, com seus discípulos desta vez bem de longe, acompanhando a cena. Finalmente encontrou Angulimala, que estava sentado em uma rocha. Angulimala mal pôde acreditar no que via: "Pessoas em grupos de dez, vinte, trinta e até quarenta seguiram por esta estrada e assim mesmo foram minhas vítimas. E agora esse monge vem sozinho, sem companhia, como se empurrado pela fé. Porque eu não deveria matar esse sujeito? Ele nunca ouvira falar de Siddhartha Gautama, mas podia sentir que este homem era especial, com um imenso carisma que tocava de alguma forma seu coração. Já não sabia se queria realmente matar aquele homem, embora quisesse muito o milésimo dedo.
Então, de espada em punho, Angulimala gritou: "PARE! Não dê nem mais um passo, ou a responsabilidade pela sua morte não será minha. Talvez não saiba quem eu sou!"
E Buda respondeu:
- E você sabe quem você é?
- Esse não é o ponto! Aqui não é a hora ou lugar para discutir essas coisas. Sua vida está em perigo! - Disse Angulimala.
- Pois eu já penso diferente: sua vida está em perigo.
Angulimala riu:
- E eu que pensava que eu era louco... você é que é louco, aproximando-se desse jeito! Depois não diga que eu matei um homem inocente. Não quero matá-lo, posso achar outra pessoa para completar o colar, mas não me force a fazê-lo, andando em minha direção!
- Você está totalmente cego. Não pode ver uma coisa tão simples: eu não estou me movendo em sua direção, você é que está vindo até mim.
- Que maluquice!! Todos podem ver que é você que está se movendo e eu estou parado nesta rocha!
- A verdade é que, desde o dia em que alcancei a iluminação, não me movi nem um centímetro. Estou centrado, totalmente centrado, sem movimento. É sua mente que está continuamente se movendo em círculos, sem parar. E você ainda me diz que eu devo parar. Você deve parar! Eu já parei há muito tempo. Eu me abstenho da violência para com os seres vivos, mas você não tem nenhum refreamento em relação àquilo que tem vida: Essa é a razão porque eu parei e você não.
- Parece que sua loucura é incurável. Você está destinado a ser morto. Sinto muito, mas o que mais eu posso fazer?
Então Angulimala levantou sua espada, mas suas mãos estavam tremendo. Ele já havia matado tantas pessoas, mas nunca havia sentido essa fraqueza. Então Buda falou:
- Por que hesita? Você é um grande guerreiro, e eu sou apenas um pobre mendigo. Você pode me matar, ficarei feliz por satisfazer seu desejo de completar o colar. Minha vida já foi muito útil e assim minha morte também o será. Mas antes de cortar minha cabeça, ao menos satisfaça meu último desejo, como também vou satisfazer o seu de completar o colar, disse Gautama.
Angulimala, que àquela altura faria qualquer coisa para evitar aquela morte, respondeu: "o que quer?"
- Quero que corte um galho daquela árvore tão florida. Um galho que tenha bastante flores para que eu possa sentir sua fragrância pela última vez, pediu o Buda.
Angulimala golpeou um galho com o facão e foi entregá-lo, quando Buda disse:
- Essa é apenas a metade do meu desejo. Agora quero que você cole outra vez esse galho na árvore.
- Que tipo de louco você é? Como vou colar o galho na árvore outra vez?
- Se você não pode criar, não tem o direito de destruir. Se você não pode dar a vida, não tem o direito de dar a morte a nenhuma criatura.
Seguiu-se um momento de silêncio, de transformação. A espada caiu das mãos de Angulimala, que caiu aos pés de Buda, dizendo:
- Eu não sei quem você é, mas seja lá quem for, leve-me para o lugar onde você vive. Inicie-me.
Os discípulos de Buda, que ao longe escutavam, aproximaram-se e disseram: "Não inicie este homem! Ele é um assassino de pessoas inocentes!"
Mas Buda disse:
- Se eu não iniciá-lo, quem o fará por ele? E eu admiro a coragem deste homem, que lutou sozinho contra o mundo, apenas com uma espada. Agora ele lutará contra o mundo usando a consciência, que é muito mais afiada que qualquer espada. Eu lhes falei que um de nós iria morrer hoje. Angulimala está morto. Quem sou eu para julgá-lo?
Após Angulimala ter se convertido em um dos arahants, certo dia ele tomou sua tigela e foi para a cidade de Savathi, para a coleta habitual de alimentos. Naquela ocasião alguém jogou uma pedra e atingiu o corpo de Angulimala, outra pessoa jogou um pau que também o atingiu, e outra jogou um pedaço de cerâmica. Então, com o sangue jorrando da sua cabeça cortada, com a sua tigela quebrada e com o seu manto externo rasgado, o venerável Angulimala foi até Buda, que falou:
"Agüente, brâmane! Agüente, brâmane! Você está experimentando aqui e agora o resultado de ações pelas quais você poderia ser torturado no inferno durante muitos anos, por muitas centenas de anos, por muitos milhares de anos."
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